Em uma manhã de abril de 1968, o mundo ficou mais sombrio quando Martin Luther King Jr., a figura mais proeminente na luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, foi tragicamente assassinado a tiros. A dor e a revolta se espalharam como um incêndio.
Naquele mesmo ano, durante as Olimpíadas, atletas negros americanos ergueram seus punhos cerrados no pódio, numa saudação que ecoou ao redor do mundo, simbolizando o Poder Negro e a resistência.
No entanto, do outro lado do continente, em São Paulo, um jovem visionário chamado Luiz Alberto da Silva, mais conhecido como Luizão, estava plantando as sementes de uma revolução cultural. Ele criou a Chic Show, uma equipe de bailes voltada para os jovens negros, que se tornaria um símbolo de identidade e resistência.
O primeiro grande evento da Chic Show aconteceu em 1974, no Ginásio do Palmeiras, um local que hoje se encontra sob um dos gols do Allianz Parque. Este evento não foi apenas uma festa; foi um marco. No dia 13 de julho, o festival Chic Show 50 Anos será realizado no estádio para celebrar este legado que não só moldou a identidade negra na cidade, mas também influenciou a cultura paulistana de maneira profunda.
A celebração deste ano promete ser memorável, com Lauryn Hill, a lendária cantora americana, como atração principal. Wyclef Jean, seu ex-parceiro do grupo Fugees, também subirá ao palco, ao lado de YG Marley, filho de Hill, que recentemente entrou no Top 50 Brasil do Spotify com a música “Praise Jah In the Moonlight”. Jimmy Bo Horne, uma lenda do funk e da disco dos anos 70, também marcará presença. A cena nacional será representada por talentos como Rael, Mano Brown, Criolo e Sandra de Sá.
Durante as décadas de 1970 e 1980, os lambe-lambes da Chic Show eram um espetáculo à parte, colorindo as paredes da cidade com anúncios de bailes que traziam artistas nacionais e internacionais do soul e do funk americano, conhecidos como “black music”. Nomes icônicos como Tim Maia, Jorge Ben, Gilberto Gil, Racionais MCs, James Brown, Chaka Khan, Earth, Wind & Fire, Kurtis Blow e Public Enemy passaram a ser conhecidos pelo público paulistano.
Na década de 1990, a Chic Show desempenhou um papel crucial no crescimento do pagode na cidade, promovendo shows de grupos como Raça Negra, Exaltasamba e Soweto. O sucesso da Chic Show transcendeu a música, tornando-se um empreendimento que mobilizou milhares de jovens e impactou economicamente uma vasta rede de negócios, desde comerciantes locais até cabeleireiros especializados em estilos afro.
Apesar de seu imenso sucesso, a Chic Show nunca contou com um patrocinador. “Eu sempre digo que nosso patrocinador era o jovem negro. Ele nunca deixou a gente na mão”, recorda Luizão com orgulho.
Em uma conversa com Splash, Luizão relembra os momentos iniciais dessa jornada. “Eu não comprava roupa, só comprava disco”, ele ri, contando como, na década de 1960, andava por bairros como Vila Madalena, Butantã, Pinheiros, Lapa e Barra Funda com seus LPs e compactos debaixo do braço, sendo presença constante em aniversários e casamentos.
Seu talento logo foi reconhecido, levando-o a tocar em um evento de escolas de samba na São Paulo Chic, uma casa de samba na rua Lopes Chaves, na Barra Funda. O sucesso foi estrondoso, e ele começou a organizar eventos aos domingos, atraindo cerca de 1.500 pessoas regularmente. Assim, a base de público da Chic Show foi sendo consolidada.
Luizão lembra de um baile de formatura no Ginásio do Clube Palmeiras, um local de elite onde ninguém imaginava ver um baile negro. A oportunidade surgiu graças a um homem do juizado de menores que conhecia o diretor social do Palmeiras.
“Esse diretor era muito boa praça e insistiu com a diretoria até conseguir”, diz Luizão.
O primeiro baile no Palmeiras teve Jorge Ben Jor como atração e atraiu 15 mil pessoas. A capacidade do ginásio foi sempre atingida, quando não superada. Em uma apresentação de Tim Maia, a multidão excedente chegou a derrubar as grades para tentar entrar.
A presença de eventos negros no clube era vista com desconfiança por muitos associados, mas o sucesso financeiro foi inegável. “O baile começou a trazer muito dinheiro para o clube, ajudou até a comprar jogador”, comenta Luizão.
Durante os anos da ditadura militar, a Chic Show representava resistência, reunindo milhares de jovens negros. “A polícia militar era muito difícil com o nosso público. As pessoas que iam nos nossos bailes eram trabalhadoras, o problema é que eram pretas”, afirma Luizão. As autoridades temiam o potencial político desses encontros, o que resultava em frequentes perseguições e operações policiais.
O auge dos bailes da Chic Show ocorreu em 1978, quando trouxeram James Brown para se apresentar. Cerca de 22 mil pessoas, excedendo em quase 50% a capacidade do ginásio, assistiram ao “Padrinho do Soul”. “Quando a gente anunciou que ele viria, o povo achava que era mentira”, relembra Luizão. Trazer um artista desse porte foi um feito sem precedentes, especialmente para o jovem negro da periferia.
James Brown veio com uma banda de 22 membros, incluindo dançarinas, oferecendo ao público paulista “o maior balanço do mundo”. Os lambe-lambes pela cidade anunciavam uma única apresentação para os blacks paulistas, um evento que ficaria marcado para sempre na história da música e da resistência cultural em São Paulo.