Para os antigos gregos, a ideia de estética estaria ligada a harmonia, onde as obras de arte seguiram uma ordem cósmica, sagrada que obedeceria uma rígida proporção matemática, milimétrica. O filósofo Kant nos diz que a harmonia se encontra na faculdade subjetiva e nós de modo que não é porque o objeto é intrinsecamente belo em si, que ele vai nos agradar. Mas é porque ele fornece um certo tipo de prazer relacionado mais a organização da nossa subjetividade do que a encarnação de uma ordem exterior a nós. Os primeiros tratados de estética vão afirmar que o belo é subjetivo e que ele reside essencialmente naquilo que agrada ao nosso gosto ou a nossa sensibilidade.
A ideia de estética mudou muito com o passar dos tempos e dentro de nosso contexto atual, acredito que ela pode ser pensada como um local de disputa, um lugar político que principalmente nos tempos modernos, onde estamos submersos e um mundo de imagens, tem uma forte influência sociológica.
Essa disputa da qual eu falo, se torna perceptível em dois momentos, quando assumimos a individualidade como uma ferramenta de liberação, ou quando adquirimos a noção de pertencimento a um grupo ou coletividade, o que aciona a necessidade de manutenção cultural e nessa segunda forma, a estética pode também funcionar como uma ferramenta de imposição social de costumes.
Entendo que a leitura estética assume muitas vezes uma característica ambígua. Isso porque o que para algum determinado grupo social, o que caracteriza-se como liberdade ou individualidade pode diferir em outros grupos, o que torna a todos produtos de seus próprios meios, dentro de um padrão estabelecido e com anseios que são respostas às situações às quais estão expostos, e nisso o fato social opera fortemente, assim como a leitura do que é belo e harmônico. A ruptura com o que inicialmente com os gregos estabelecia-se como belo, surge quando a subjetividade moderna confronta a objetividade da antiguidade, e a meu modo de ver, também quando a diversidade se estabelece ante o conservadorismo das ideias evolucionistas do século XIX.
A estética se tornou um lugar de disputa porque o pensamento europeizante vem sendo contestado como ponto de referência.
Oxum, a entidade africana, senhora dos rios, do ouro, da astúcia e da beleza, é representada segurando seu abebê em mãos, um espelho onde admira a própria beleza. Sua relação com a imagem não é narcísica ou solipsista, através de Oxum aprendemos o valor da imagética, de nossa relação com o eu e como isso está ligado ao nosso agir. A realidade do mundo que temos é moldada a partir de nossa imaginação (imagem+ação).
A maneira como você se entende, como se define e se vê, determina a maneira como irá lidar com o mundo, com a vida e por isso a estética é tão importante, porque a partir do que entendemos socialmente como belo, balizamos nossa auto percepção de existência, e isso pode ser determinante para entendermos e ocuparmos nosso lugar na sociedade.
A construção da imagética de um Jesus Cristo branco, com olhos azuis e cabelos loiros, criou um ideal divino que auxiliou o processo de submissão e assimilação dos povos do sul global, onde essa imagem foi amplamente utilizada no projeto de colonização, através de ideias de evolucionismo cultural e racismo científico, incutidas até hoje no senso comum da sociedade em geral.
A quebra com antigos padrões estéticos que por anos moldaram a cultura ocidental e as culturas periféricas vem sendo já há alguns anos a bandeira de luta de grupos marginalizados que tinham (e tem) como principal algoz, a idealização negativa de seus fenótipos, de suas culturas matrizes e de suas religiosidades.
Há uma disputa em curso. E nas próximas colunas trarei para esta conversa ramificações da estética impressa na cultura negra contemporânea, desde o movimento Hip-Hop até o Afrofuturismo, e como a colaboração destas estéticas costuram um ethos afrodiásporico de emancipação.
@edblacc