Sou particularmente obsessivo com desenvolvimento. Seja relações profissionais, sociais, conjugais, parentais, culturais… qualquer relação que seja, o caminho feliz, pra mim, é binário: ou se desenvolve, ou apodrece. Frequentemente, o motivo de qualquer fim de relação é a falta de adaptação a um novo cenário, ou seja, apodreceu porque não se desenvolveu.
A melhor militância é ser um profissional útil pra sua comunidade. Isso sem falsificar o conceito de utilidade também, obviamente. As vezes a criança produz coisas e os pais acham lindo. As vezes como artistas produzimos arte, e nossos amigos elogiam mas nem sempre esses elogios são confiáveis. Essas pessoas estão comprometidas, seu olhar é parcial. No âmbito do mercado as coisas são mais cruas e verdadeiras. Menos perfumadas e menos pessoais.
Quem já viajou para fora do Brasil sabe como o ego profissional aqui é grande. Aqui tudo é levado para o pessoal. Tudo gera mágoa, e essa característica da personalidade do brasileiro médio é desgastante. O brasileiro é formatado para o ego. É cultural. Se tem uma coisa que une pobres e ricos no brasil, é o ego. Tudo magoa. Não à toa, a indústria do dó e da mágoa faz morada tão fácil no mercado e se insere no jogo como elemento de troca comercial. Cria peso onde não deveria e deforma o desenvolvimento de ofícios porque altera o vetor de onde o valor deveria estar.
Muito se fala que não consumimos trabalhos de nossos amigos, mas há dois casos aí. Podemos estar falhando em ver valor no trabalho do amigo, mas, precisamos considerar também, que o trabalho artístico desse amigo talvez não esteja realmente tão cativante assim, tão bom assim. Abrindo essa perspectiva para uma visão de mercado em outra profissão isso fica mais claro: você e seus amigos podem achar o que quiser sobre seus trabalhos de pedreiro, mas se ninguém confia pagar pelo seu serviço, isso provavelmente não tem a qualidade de um profissional, não é reconhecido como trabalho profissional. (é preciso entender também que muitas áreas simplesmente não tem margem para consumo massivo)
Se você for atento a estas verdades insensíveis, verá que não é possível falsificar utilidade. Aplique a lógica do pedreiro. Eu pagaria milhares de reais pra esse sujeito construir essa obra? Se eu não pagaria pra esse, eu pagaria pra quem? Essa é a diferença no profissionalismo. Nas artes muita gente vai elogiar, mas quem é que paga? Na vida profissional quando não compram ele trata de melhorar sua técnica, e ponto final. Não tem choro. Deveria ser assim. Não tem retórica, não tem manipulação de culpa, não tem apontamento de como os brancos são ruins. Sabemos que eles podem ser ruins, mas se o filme está chato e nem os próprios pretos compram, não há problemas a serem reconhecidos aí?
O amador ao invés de tentar se desenvolver e melhorar sua técnica, ele trata de melhorar sua retórica mirando já a aceitação. No Audiovisual por exemplo, uma das formas de você detectar amadorismo é quando um profissional, de qualquer etapa da cadeia de produção, (roteirista, diretor, produtor ou qualquer outro) requisita parceria, com remuneração pra quando der frutos. “Parceria”, palavrinha mágica que você nunca mais vai conseguir ver da mesma forma depois desse texto. Será um gatilho pra você. Uma vez, quando ainda estava buscando profissionalização, citei possibilidade de “partnership” em um fórum gringo. Fui execrado, recebi sermões. Entendi totalmente e mudei por completo a mentalidade.
Então fulano quer sua arte, mas na “parceria”, ou seja, quer oferecer espaço de divulgação ao invés de te pagar: amadorismo. Quer contratar ator, pra pagar quando o canal no Youtube monetizar: amadorismo. Quer contratar roteirista para ele poder fazer animações e remunerar apenas com % do que a obra arrecadar: amadorismo. Quer contratar qualquer função, e quer voluntariado porque seu quilombo ou coletivo não tem dinheiro para pagar: amadorismo. Qualquer trabalho em que a troca é baseada em PROMESSAS: amadorismo.
Não interessa se o cara é muito profissional em outra área, se ele trata um outro profissional assim, ele está fomentando amadorismo na sua área e esse é um grande problema da nossa sociedade. Na própria área todo mundo exige um jeito certinho, rígido e protocolado de se fazer as coisas, caso contrário ficam fulos, mas na área dos outros qualquer coisa serve. Qualquer generalismo grosseiro serve.
Amadorismo também se disfarça de militância e de propósito nobre. Dá menos trabalho manipular um profissional zica do que trabalhar seu próprio desenvolvimento. O amador não quer obras com resultados funcionais, ele quer forçar a aceitação a todo custo via manipulação de culpa. Essa é a função da retórica. Retórica é choro rebuscado. O amador busca desesperadamente um enquadramento retórico que possa servir pra engolirem a sua condição estática de não-evolução, e fazer esse estágio estagnado ser engolido. Ao invés de trabalhar a arte e oferecer criticamente o que o mercado precisa, ele trabalha como ser um vendedor melhor daquilo que ele já é. Ele se considera já pronto. Quem acaba comprando sob pressão não está apoiando o desenvolvimento, mas a estagnação e a dependência.
Quando foi que nosso mercado passou a ser mais de manipuladores emocionais do que de artistas vendáveis? Tá faltando ética do desenvolvimento. A realidade tem sido estática quando convém e móvel também quando convém. O amador quer a reputação do profissional sem se arriscar e colocar na mesa a cara a tapa que a postura profissional exige.
A frase que poderia definir todo esse texto é: Amador ama fama, profissa, ofício. Quem se dedica a algo porque ama, o faz até sem público. É depois de amar que ele procura um público pra servir. Dedica horas ao ofício em seu quarto ou escritório, sozinho, e isso se pode dizer que é o caminho mais inicial da profissionalização. O prazer do processo não é feito para ser assistido, e se for, aí o prazer é já da publicidade e não do ofício.
O prazer no ofício é uma dimensão espiritual própria. Gosto de observar os marceneiros. Alguns trabalham em uma oficina vazia, depois do expediente, mesmo sem precisar, construindo móveis que inicialmente nem sabem se precisarão, apenas pelo prazer da evolução da técnica. A serra e a lixa são trabalhadas com a calma de um samurai meditativo. Ele está lá e não está, seu pensamento está loooonge…mas seu desenvolvimento técnico está a milhão. Todo profissional precisa desenvolver seu sentido samurai.
Por outro lado, o amador é movido pela repercussão que vê o profissional recebendo. Ele não quer investir amor no ofício, não tem seu sentido samurai e tampouco encontrou tocou seu próprio espírito. Ele quer apenas que o ofício se abra pra ele entrar porque o valor que está em jogo é o ego. É com isso e por isso que ele pessoaliza demais a questão.