A música country, ícone do coração americano, tem raízes muito mais profundas e diversificadas do que a narrativa tradicional sugere. Embora muitas vezes associada a artistas brancos e à cultura rural dos Estados Unidos, a verdade é que esse gênero musical foi moldado e influenciado por artistas negros que, ao longo do tempo, foram injustamente apagados de sua história. A recente discussão sobre a moda, a música e o “embranquecimento cultural” traz à tona o impacto da segregação racial tanto na criação da música country quanto na imagem dos cowboys, assim como as tentativas atuais de resgatar essas origens afro-americanas.
Country: Um Gênero que Nasceu do Jazz, Blues e Folk
Na década de 1920, o country começou a emergir como um gênero distinto, derivando de outros movimentos musicais populares da época, como o jazz, o blues e o folk. Muitos desses estilos já tinham uma forte influência africana, trazida pela diáspora africana que moldou a cultura musical dos Estados Unidos. O banjo, por exemplo, um dos instrumentos mais característicos da música country, tem origem africana, sendo trazido por escravizados para a América e amplamente utilizado em várias formas de música rural.
Além disso, subgêneros musicais como o creole foram igualmente influentes, ajudando a formar a base de estilos como o jazz e o blues, que, por sua vez, influenciaram o desenvolvimento do country. No entanto, à medida que a música country se popularizou entre o público branco, os artistas negros que ajudaram a moldá-la foram sistematicamente deixados para trás.
A Contribuição Afro-Americana no Country: Apagamento e Resgate
Recentemente, a revista Time publicou uma matéria que trouxe luz à história oculta dos artistas pretos no country. A publicação destacou como artistas negros desempenharam um papel fundamental na construção do gênero e, em seguida, foram marginalizados, contribuindo para o “embranquecimento” da música country. Esse apagamento histórico é um reflexo de uma segregação cultural que espelhava as tensões raciais mais amplas da sociedade americana.
Nos últimos anos, artistas contemporâneos como Brittney Spencer, Tanner Adell, The Kentucky Gentlemen e Reyna Roberts têm se levantado contra essa exclusão, não apenas ocupando espaços no cenário country, mas também resgatando as raízes afro-americanas da música. A presença deles reafirma a diversidade que sempre esteve no centro da música country, mesmo que tenha sido silenciada.
Cowboys Afro-Americanos: Os Verdadeiros Heróis do Velho Oeste
O resgate das contribuições afro-americanas na cultura cowboy é igualmente importante. Muitos dos primeiros cowboys americanos eram ex-escravos ou descendentes de escravos que, após a abolição, encontraram trabalho em fazendas de gado no oeste americano. A narrativa tradicional do cowboy branco ignora essa realidade. Filmes como Concrete Cowboy e Vingança e Castigo ajudam a corrigir essa distorção histórica, apresentando histórias de cowboys negros e celebrando sua resistência e contribuições.
Moda e Ancestralidade: Pharrell Williams e a Coleção Fall-Winter 2024
Além da música, a moda tem sido outra forma de resgatar as raízes afro-americanas no imaginário do Velho Oeste. A recente coleção Fall-Winter 2024 da Louis Vuitton, desenhada por Pharrell Williams, é um exemplo poderoso dessa tendência. Pharrell revisitou as tradições norte-americanas e não teve medo de incorporar a iconografia do Velho Oeste, reconhecendo a contribuição dos afro-americanos na construção dessa identidade.
A coleção mistura símbolos clássicos do cowboy com elementos de diversidade, representando uma nova visão de uma América que valoriza sua ancestralidade e pluralidade. Pharrell destaca como o Velho Oeste, que muitas vezes é associado apenas à figura do homem branco, também foi moldado por afro-americanos e outras minorias. Essa abordagem desafia o “embranquecimento cultural” ao trazer à tona o papel significativo de povos historicamente marginalizados.
O Velho Oeste e a música country são partes integrantes da identidade americana, e a inclusão de todas as suas vozes – especialmente as que foram silenciadas – é essencial para contar essa história de maneira completa e verdadeira.