Recentemente foi aprovada a volta da lei de cotas de tela no PL nº 5.497/19 da Câmara. Isso significa que a partir de Abril desse ano, até 31 de dezembro de 2033, prorrogável por mais cinco anos, haverá uma cota mínima que todo exibidor deverá destinar a obras brasileiras.
A lógica dessa medida é evitar, por exemplo, que um filme de super-herói ocupe 11 salas de 12 possíveis em um Cinema e com isso nunca se abra oportunidade do cinema brasileiro provar o seu valor.
É preciso também falar o que ninguém fala, alertar o que ninguém alerta, colocando o dedo na ferida de uma forma que ninguém quer colocar. Há movimentos defensores dessas cotas e também movimentos contrários a elas que são totalmente emburrecidos para a verdade do que o outro lado carrega. Não se conversam, não se entendem porque não querem entender. Estão presos a movimentos ideológicos que brigam com a realidade e defendem apenas ideologias tolas. Apenas teimosias. Percebem porque defendo um movimento outsider? Um Cinema Preto Dissidente? Poder orientar o desenvolvimento para fora das ideologias preocupadas apenas com o poder.
A intenção da cota de tela é propiciar desenvolvimento de uma indústria audiovisual autossuficiente, representativa, original, orgânica e popular. Só que a verdade sobre a política de cota de tela é que ela sozinha definitivamente não vai resolver o problema do subdesenvolvimento audiovisual no Brasil.
Preciso reafirmar que sim, o audiovisual brasileiro é subdesenvolvido. Temos obras audiovisuais isoladas, sem ter indústria, apesar de termos muito potencial. O que denuncia o subdesenvolvimento é a estatística de consumo do audiovisual brasileiro, a baixíssima quantidade e qualidade de mão de obra especializada, de estruturas cinematográficas e de know how. Tudo isso é ínfimo aqui. É possível encontrar no máximo, qualidade. Buscar quantidade de qualidades é impossível no atual estado. A produção audiovisual de massa se resume basicamente ao grupo Globo em formatos novelescos e algumas séries.
Para efeitos de comparação, a única indústria cultural bem desenvolvida no Brasil é a indústria fonográfica, cujo hábito de consumo de conteúdo nacional supera o conteúdo estrangeiro sem dificuldade, ou seja, o brasileiro consome mais música daqui do que gringa. Sertanejo, é o carro chefe. Gosto? Não. Desenvolve o cenário nacional? Sim. É bem representativo do que é o brasileiro médio? Não sei. Tendo a dizer que não, mas não vou MENTIR que não desenvolveu a indústria musical aqui só porque não gosto da estética musical e/ou ideológica que o agronegócio carrega.
Há muita gente que prefere manter o subdesenvolvimento que considera ser mais autêntico, do que desenvolver sob parâmetros nos quais discorda. Isso só seria respeitável caso esses sujeitos abdicassem de consumir música, consumir filmes…e não é o caso, nunca é o caso. Querem consumir e querem consumir desenvolvido, mas dentro da própria ideologia incapaz de desenvolver. Curioso, não? Consomem de gringos, que usaram o modelo de desenvolvimento que não estão dispostos a aplicar aqui.
Voltando à questão das cotas. Uma vez que as cotas não são a resolução para o subdesenvolvimento, devemos entendê-las como um grande divisor de águas, um aumento de banca na mesa. Um grande “vai ou racha” para o desenvolvimento. Com essa percepção, é necessário entender e lembrar que cotas de tela já existiram no Brasil em alguns momentos diferentes… e no “vai ou racha” mais recente nos anos 90, foi um retumbante “racha”, ou seja, mais atrapalhou do que ajudou e ainda fortaleceu o argumento das ideologias anti-cotas.
ENTENDENDO OS TAIS MOVIMENTOS: OS EXIBIDORES
Em geral, os exibidores são parte de uma direita mundial globalizada. Se em suas práticas de produção habita um neoliberalismo brutal, em seu conteúdo de exibição estamos falando de estórias de moral centrista, moderadinha, que é o que o grande público mais gosta e se diverte. Não estou julgando, estou descrevendo, essa é a realidade do consumo. Os exibidores, então, estão atrás do dinheiro mais imediato possível. É 100% verdade que uma indústria como Bollywood, Nollywood ou a Coreana hoje podem entregar tanto valor e tanto dinheiro quanto Hollywood aos exibidores, frequentemente entregam até MAIS.
O problema é que exibidores não querem ESPERAR isso acontecer, baseados em uma PROMESSA totalmente INCERTA. Uma aposta. Eles preferem passar “Os Vingadores 7” em 11 de suas 12 salas do que ter prejuízo certo em algumas salas durante ANOS para termos a CHANCE de desenvolver indústria própria.
Sinceramente eu não tiro a razão deles. É fácil querer prejuízo para os outros, sendo que você mesmo não está colocando o pescoço. Eu já estive em posições em que tinha que pular primeiro e os outros seguiriam, e que se todos envolvidos pulassem, todos ali estariam assumindo o mesmo risco compartilhado, afim de obter a glória coletiva. Eu pulei e todos largaram a mão. O risco que era pra ser 10% de cada ficou 100% comigo e eu afundei. Com isso eu entendo os exibidores serem contra as cotas. Até o cinema nacional pegar no tranco, o exibidor deve pagar o tranco, correndo risco de ser superado e submetido pelos concorrentes.
Qual seria então o pior medo desse exibidor? Esse ao qual ele SERÁ SIM exposto nos próximos dez anos com as cotas de tela para cinema nacional? O medo do exibidor é ter ali, 20% ou mais de salas com lotação sempre baixa demais, simplesmente porque o brasileiro está considerando esses filmes chatos demais. Simplesmente não há QUANTIDADE de filmes brasileiros atraentes ao público todo fim de semana. Indústria é isso. Não basta 3, 4 ou 5 filmes memoráveis ao ano, pra sustentar o mercado exibidor precisariam ser 50, e de primeira linha. Pra produzir 50 filmes nesse nível de qualidade precisaríamos de 500 filmes totais. AO ANO. Entendem? Estamos muito longe disso.
As cotas poderiam ajudar, SE E SOMENTE SE todos os outros passos forem dados, do contrário apenas lesará o exibidor isoladamente. Ninguém quer saber dos problemas do exibidor, dar garantias, mas todos querem determinar quais decisões devem ser tomadas no negócio dele. Complicado. Se ele tiver dez anos com 20% de salas vazias porque o Brasil não ta cumprindo a promessa de entregar filmes atraentes, quem vai pagar o prejuízo? O Governo vai pagar? É uma solução possível, mas não resolve o problema inicial e ainda é fértil a outros problemas novos, como corrupção. Então a solução seria onerar a União pelo fato de o povo não querer ver filme chato? Complicado. A solução é uma só: desenvolver indústria mirando fazer filme zica. Pode ter erros no processo, mas a mentalidade precisa ser uma só: encontrar as fórmulas para os filmes do povo.
Na parte 2 dessa discussão, Cotas de Tela e a Formação da Industria Parte 2 falaremos sobre o lado mais imediatamente a favor dessas cotas, o lado que ganhou a queda de braço dessa vez: Os Realizadores.