Quais os gêneros fílmicos que a galera mais gosta por aqui? Respondo sem chorumelas, na ordem:
- Comédia
- Ação e Aventura
- Animação
- Terror
- Ficção Científica
- Drama
- Documentário
Adivinha quais são os gêneros que o Brasil mais produz? Sim, você acertou. Drama. Quais que os produtores independentes mais produzem? Drama e Documentário. A conta não fecha. Os realizadores independentes estão fazendo filme pra quem?
“Ah, mas não é o caminho ficar copiando o modelo hollywoodiano” É o que ouço entre os produtores independentes. De fato, não é. Concordo. Só que nos círculos de produtores culturais, frequentemente cometo o apontamento complementar que me leva ao exílio: “Deixar de copiar Hollywood pra copiar Cinema Francês também não leva a nada, e é exatamente isso que acontece”.
Chegamos onde eu queria. O produtor independente tem feito uma quantidade exagerada de filmes arrastados, de Drama ou Documentário. Cadê o cinema de gênero? Onde está o Terror, a Aventura, a Ficção Científica? Há públicos enormes espalhados por aí. Eu amo todos os gêneros, de verdade, é por isso que o que me incomoda é a desproporção.
Não só o gênero que se copia, mas a forma. Filmes com ritmos lentos, poucos cortes, trilha sonora sempre diegética. Colorização sempre ordinária. Nem todo mundo sabe, mas o Cinema Novo é literalmente uma versão brasileira da Nouvelle Vague, que é francesa. Esse movimento criou uma onda no mundo, vários países criaram a sua versão de Nouvelle Vague. Nuberu Bagu (Japão), Cinema Novo Tcheco, além de Alemanha, Portugal e Argentina todos na mesma época, e o Dogma 95 (Dinamarca) já nos anos 90.
Estou dizendo que esses movimentos não prestam? Não, estou dizendo que se convencionou trocar uma personalidade gringa por outra gringa, e chamar isso de identidade nacional. Trocar de colonizador. Obviamente, eu só posso chegar a essa conclusão porque, como já expliquei nos textos anteriores, sou um Outsider também da esquerda. Estive ativo lá durante décadas, encontrei inconsistências e rompi espiritualmente. Como homem preto não me sinto mais obrigado a comungar do senso de unidade que a esquerda impõe, e nem por isso vou para o outro lado. Eu não tenho que escolher um senhor pra bater cabeça, não.
Se eu não comungo dos ideais hollywoodianos, também não comungo da unidade em torno da crítica europeia. Não sou de direita nem de esquerda, isso me permite uma liberdade interpretativa e artística que lança a identidade para fora destas premissas, dessas cartilhas ideológicas. Eu busco o que tem de melhor em Hollywood sem me considerar de direita, e o melhor que há nas contraculturas de berço europeu sem me considerar de esquerda.
É isso que me permite dizer: “Hollywood, não dá pra querer fazer dinheiro com qualquer coisa. Eu disse, QUALQUER coisa. Entende? Há limites…” e também dizer “Ô pessoal da contracrítica, o filme de vocês tá panfletário e chato. O povo ta dormindo com isso, ninguém vai pagar pra ver isso não. Não seduz ninguém. Isso será deficitário com toda certeza.” O primeiro acha legal explorar toda e qualquer demanda antiética por mais nojenta que seja, enquanto o outro acha tranquilo torturar a população com uma fórmula obsoleta, só porque parece chique.
Caras, hoje em dia não é mais tão caro fazer filme de Ação, Aventura, Ficção Científica. Os Cinemas Novos ao redor do mundo nasceram de um contexto diferente de mundo. Ter câmera era caríssimo. Formação audiovisual ainda é elitizado sim, mas é um centésimo do que foi nos anos 60. O tráfego de informação, armazenamento e o setor de serviços mudaram muito. A Inteligência Artificial ta aí derrubando gastos para 10% do que eram (vou fazer textos só sobre isso em breve).
Me dá raiva quando vejo um filme de gênero, feito quase que sem recursos financeiros, mas que foi feito na gringa. Simplesmente porque não estão aprisionados em pensar dentro dos mesmos termos. Me dá orgulho, quando vejo os meninos da The Critics Company, jovens nigerianos, Wakaliwood, cinema das favelas de Uganda. Eels estão fazendo filmes de gênero que são fortemente abraçados pelas suas comunidades simplesmente porque realmente representam uma liberdade de espírito próprio: não estão tentando agradar a crítica especializada, se conhecem como ninguém.
São pessoas totalmente presentes em seu espírito do tempo. Percebe? Esses não usam a desculpa da falta de dinheiro. Porque não tem nenhum. Coloque no Youtube e vejam do que estou os cito.
O que mais gosto do Cinema Nigeriano, seja Nollywood ou o periférico como as iniciativas desses meninos da The Critics e do diretor Cj Obasi, (que agora já ganhou um bom dinheiro) é que eles tem autenticidade. Tem coragem de serem quem são. Não há filme arrastado porque não se consome isso lá. O público é o chefe, como deve ser. Em todo lugar onde há indústria de cinema de sucesso, o ranking de investimento de atenção e amor dos realizadores está posicionado assim:
- Dinheiro (mercado)
- Pelo ofício
- Status
- Por si mesmo.
Ou
- Pelo ofício
- Dinheiro (mercado)
- Status
- Por si mesmo.
Me perdoe, mas o modelo brasileiro de produção de filmes independentes tem sido algo do tipo:
- Status
- Si mesmo
- Pelo ofício
- Dinheiro
Com uma variação do primeiro e segundo lugares entre si. Isso não tem como criar indústria. Pode me odiar, não ligo muito não. Enquanto não entregar ao mercado o que o mercado quer assistir, não tem como não. Fazer filmes para o seu próprio círculo social e obrigar o Estado a pagar só porque essa trupe se autoelogia há decadas, pra mim é um tipo de extorsão.
Existem filmes arrastados que eu amo, mas existe uma parcela enorme de filmes arrastados que acreditam que ser arrastado pode e deve ser a principal qualidade de um filme. São filmes que não arriscam nada. Produtores que não querem ousar. A cultura cinematográfica não tem nada a ganhar com essa prisão.
Os exibidores são o maior poder no cinema, sabemos disso. Só que há uma desconexão com os produtores. Real oficial. Os exibidores gostariam sim que o primeiro Jogos Mortais tivesse sido um filme brasileiro, ou mesmo o Atividade Paranormal… ou mesmo o espanhol R.E.C. Filmes baratos ao extremo e dos mais lucrativos da história. Porque não temos? Porque falta vontade do produtor. Vou te dizer mais, dos únicos exemplos que temos de produções assim, foi por ousadia financeira do próprio exibidor.
Os editais públicos parecem ser indicados a repassar a mesma agenda política de militância conveniente. Aí se eu falo verdades sobre o mercado do Cinema, o que acontece? Querem me chamar de direita. Ta tudo bem, quando eu falo que a direita quer fazer filme com cenas que também não podem sequer existir, aí sou chamado de esquerdista. Entendeu o que significa ser preto outsider? Taí mais um capítulo. Se parar de rezar uma das cartilhas pré-definidas, fica difícil de encontrar lugar. Só que o subdesenvolvimento dessa indústria continua falando pelos resultados. O independente deveria ser o primeiro a não querer se encaixar, mas pra isso, deveria amar menos a si mesmo e amar mais as histórias. Parar de tanta implicância com a Jornada do Protagonista já seria um bom começo… mas isso é assunto pra outro dia.