Na abertura da Semana de Alta-Costura de Paris, o desfile da Schiaparelli de Daniel Roseberry mais uma vez encantou o público e os críticos, tornando-se o centro das atenções no mundo da moda. Intitulada Icarus Couture, a coleção mergulha na complexidade das metáforas históricas, sendo um testemunho do poder da alta-costura em ultrapassar os limites da técnica e da arte.

Inspirado pelo trágico mito de Ícaro – o jovem que, em sua busca por liberdade, se aproximou do sol até que a cera de suas asas derretesse, levando-o à queda no mar Egeu – Roseberry encontrou uma conexão simbólica entre o passado e o presente. Ao vasculhar uma loja de antiguidades em Paris, o diretor criativo descobriu fitas de laços produzidas em Lyon nas décadas de 1920 e 1930, que foram escondidas durante a Segunda Guerra Mundial. Essas fitas, perdidas no tempo após a invasão alemã, tornaram-se o ponto de partida para a criação de uma coleção que resgata o passado com um olhar renovado, misturando história e inovação.
Em um momento de reflexão, Roseberry questiona a obsessão por uma modernidade simplificada, desafiando as normas e as expectativas de um mundo fashion que, muitas vezes, se prende ao minimalismo: “Nossa fixação no que parece moderno se tornou uma limitação? Isso nos custou a nossa imaginação?” A resposta de Roseberry é clara – não para a Schiaparelli. Ao invés de abraçar a simplicidade, ele optou por criar algo exuberante e extraordinário, com silhuetas esculturais, tecidos meticulosamente trabalhados e uma paleta de cores delicadamente esmaecidas – como tons amanteigados, verdes pálidos e marrons queimados.


A coleção, com suas referências ao passado, tornou-se uma verdadeira obra-prima da alta-costura. Entre os destaques, estavam os vestidos confeccionados em georgette de seda e camurça, bordados com fios de seda e adornados com saias cortadas em viés, que evocavam a estética dos anos 1990. As penas banhadas em glicerina e penteadas com queratina trouxeram um toque de modernidade e leveza, enquanto os tules aplicados em peplums em formato de onda criaram uma brincadeira entre a fluidez e a rigidez. Em um claro tributo ao trabalho artesanal, Roseberry entregou bustiês duplos e acolchoados, além de estruturas arquitetônicas nos vestidos que marcaram o corpo com curvas art-déco e formas distintas.
O uso das fitas como metáforas de sobrevivência e renascimento conferiu à coleção um caráter simbólico de resistência diante da destruição da guerra, ao mesmo tempo em que refletiu o renascimento da criatividade. Os bordados sinuosos e os detalhes esculpidos nos espartilhos franceses deram às modelos uma aura etérea, quase divina. E, como um verdadeiro mestre da alta-costura, Roseberry transformou o trauma histórico em uma coleção que não só preserva, mas também reinterpreta o passado, trazendo à tona uma beleza transformadora e atemporal.
Em suas notas de apresentação, Roseberry afirmou: “Alta-costura é, por definição, uma busca pela perfeição. Cada temporada pode parecer uma luta quixotesca, uma escalada para alcançar um nível cada vez mais alto de execução e visão.” E, neste desfile, ele não apenas alcançou esse nível, mas o superou com maestria.


Ao contrário das tendências efêmeras e das criações feitas para viralizar, a coleção Icarus Couture colocou a técnica e a beleza como protagonistas, celebrando a essência da alta-costura de forma intemporal. Roseberry, mais uma vez, mostrou que é possível resgatar o passado e, com ele, dar vida a um futuro extravagante e sem limites.