Esse meu lugar de fala é um lugar técnico, profissional. Ainda que empático, muito distante do lugar de quem convive nessa realidade.

Ser um homem negro no Brasil é viver sob o peso de expectativas que muitas vezes não foram escolhidas. Desde a infância, meninos negros aprendem que precisam ser fortes, resilientes e incansáveis diante dos desafios. Chorar, demonstrar medo ou admitir cansaço não são opções aceitáveis dentro do modelo tradicional de masculinidade que a sociedade impõe. No entanto, essa armadura de resistência tem um custo: pode ocorrer o adoecimento psíquico, muitas vezes silencioso e negligenciado.
A experiência cotidiana do homem negro é marcada por uma batalha constante contra o racismo estrutural. Isso significa que, além dos desafios comuns da vida, ele enfrenta obstáculos adicionais em diversas áreas: menor acesso a oportunidades de trabalho, desconfiança social, hipervigilância em espaços público, violência institucionalizada, entre outros. Esse cenário pode gerar um desgaste emocional profundo, levando a níveis elevados de estresse, ansiedade e depressão.
O racismo não é apenas um problema externo, ele se infiltra na subjetividade, ou seja, no seu “eu” mais íntimo, podendo gerar sentimentos de inadequação, baixa autoestima e a necessidade de provar constantemente seu valor, sua força. A introjeção dessas violências simbólicas pode levar como possíveis consequências à autossabotagem, ao medo de ocupar espaços e até, em casos mais graves, a comportamentos de autodestruição.

A masculinidade negra e o silenciamento emocional
Outro fator crucial para entender a saúde mental do homem negro é a forma como a masculinidade é construída dentro desse contexto. A figura do homem negro sempre foi associada à força física, à virilidade, ao papel de provedor e ao vigor. Esse estereótipo ajuda a desumanizar e nega a possibilidade do cuidado, do afeto e da fragilidade. O homem é “treinado” a silenciar-se, esconder-se, suprimir seus sentimentos a todo custo.
Isso se reflete na dificuldade que muitos homens negros têm em procurar ajuda psicológica. O medo de serem vistos como fracos ou incapazes os impede de expressar seus sentimentos, podendo resultar em quadros de isolamento emocional, abuso de substâncias e explosões de agressividade que, na verdade, são manifestações de sofrimento não elaborado e carregado por muitos anos ou pela vida toda. Eles fazem um esforço tremendo para não demonstrar fraqueza a ninguém, mesmo quando estão internamente completamente destruídos.

A urgência do cuidado: quebrando o ciclo de sofrimento
Mudar essa realidade exige uma transformação cultural e individual. Primeiro, é fundamental desmistificar a ideia de que buscar ajuda psicológica é um sinal de fraqueza. Pelo contrário, reconhecer as próprias dores e procurar acolhimento é um ato de coragem e de sabedoria. A psicoterapia, especialmente com profissionais que compreendem as nuances raciais e sociais, pode ser um espaço seguro para ressignificar experiências e reconstruir uma identidade livre dos fardos impostos.
Além disso, fortalecer redes de apoio é essencial. Criar espaços onde homens negros possam falar sobre suas angústias, trocar vivências e encontrar suporte emocional pode ser revolucionário. A solidão do homem negro precisa ser rompida urgentemente.
Ademais, práticas de autocuidado devem ser incorporadas à rotina. Exercícios físicos, espiritualidade, lazer, arte e outras formas de expressão podem ser poderosas ferramentas para aliviar o peso emocional acumulado e o estresse cotidiano.
A saúde mental do homem negro não é apenas uma questão individual, é uma pauta coletiva e política. Um homem negro que cuida de si, que se permite sentir e que constrói novas formas de se relacionar consigo e com os outros desafia um sistema que sempre tentou desumanizá-lo.
Não há necessidade de carregar tudo no próprio colo. A luta continua, mas ela não precisa ser solitária. Tenho ouvido muito em meu consultório de psicoterapia, por eles próprios, que quando o homem se permite chorar, é sozinho, isolado, longe dos olhos alheios. Cuidar da saúde mental é também um ato de resistência e de afirmação da própria humanidade.