Os trabalhadores da Cultura com quem compartilhei terreno político durante muitos anos são muito hábeis para sacar a abrangência formativa que a Cultura tem. Como sempre digo, todos sabem apontar verdades, mas poucos enxergam os próprios pontos cegos. Eis uma realidade que mora nas sombras e que o culturalista nunca quer lidar: A Economia tem o poder temporário de deformar a Cultura.
Sim, a longo prazo é o contrário: Cultura é que determina a Economia, mas isso é na escala de tempo da História e da Sociologia. História e Sociologia pensam em termos de centenas de anos, não de décadas ou anos.
Relativo à essa escala, a escala da vida humana é curto prazo. Nesse curto prazo quem impõe condições para liberdade, ampliação ou definhamento de certas atividades e práticas é a Economia. Isso significa que é mais fácil crescer a indústria do Cinema e depois revolucionar, do que tentar revolucionar sem motor econômico estabelecido.
Os culturalistas vão sempre apostar no incentivo cultural, no aval público, na fala positiva e propositiva, na propaganda e publicidade de modelos culturais pouco valorizados, denunciado a falta de boa vontade, de costume, e de hábito da população em consumir modelos de cinema menos valorizados.
Então não é que os pretos consomem filmes de brancos porque estão acostumados a se comportar de forma branca. Eles se comportam assim porque historicamente a população obtém renda através destes modelos dominantes. A curto prazo, a cultura brancocêntrica que praticam vira uma CONDIÇÃO para acessar os recursos. Os pretos se tornam branquizados porque consomem produtos assim, e eles consomem produtos assim porque para sobreviver, os produtores fazem renda SOMENTE assim.
De forma que nosso pai ou avô é grato a certas instituições independente do que elas façam, fazem ou fizeram, porque diretamente ele obteve renda e alimentou sua família através daquilo ali, então a gratidão e a dependência foram instaladas automaticamente durante décadas. Não vai importar muito o julgamento racional. Vemos as coisas como nós somos, e não como as coisas são.
Nosso pai SENTE que determinadas ideologias são boas porque o chefe o “premiou” com emprego, e isso supre as necessidades de sua família. A longo prazo terá sido instalada no sujeito a sensação de que essa ideologia é boa. É somente depois da sensação, que a racionalidade vai buscar justificativas para essa aceitação. Todos os modelos culturais se desenvolvem com esse modelo. As formas culturais, (e isso inclui a forma de Cinema Preto por preto e pra pretos), que não empregam o sistema de gratidão econômica, vivem à margem e na asfixia econômica cultural. Lembra o início do texto? A curto prazo economia determina a cultura.
Enquanto não tivermos modelo empregatício alternativo para praticar a cultura preta que queremos, ou trabalhar aos pouquinhos para a criação efetiva de empregos pretos, QUALQUER outra vigilância comportamental da militância não passa de pregação religiosa com consequências em saúde mental como ansiedade e depressão, por exemplo.
Quando alguém percebe qual conduta cultural levaria ao desenvolvimento, mas por falta de condições econômicas não consegue praticá-la, a tendência superior é o adoecimento por impotência. Quem conhece o mecanismo dessas determinações de cima pra baixo, sabe que praticar uma determinada cultura e desenvolvê-la não é escolha, mas uma consequência direta das cordas da marionete econômica determinando seus movimentos. Os moldes de práticas culturais africanizadas no Cinema por exemplo, estão asfixiadas desde sempre.
Buscar dinheiro sem a prática e o molde de uma cultura africana no longo prazo é o puro suco do neoliberalismo, porém, buscar praticar Cultura preta e conduta africana sem GARANTIR o suporte econômico primeiro é moralismo. É versar sobre ideal sem condição material. Ambos são igualmente violentos, nocivos e ineficientes para a autonomia das comunidades pretas entusiastas de modelos culturais pretos, alternativos, e para a tão desejada amplitude de escolhas e para o desenvolvimento desses ofícios.