Vestidos esvoaçantes, tecidos naturais, acessórios artesanais, cabelos trançados ao vento. O estilo boho chic, que nos anos 1970 vestiu uma juventude em busca de liberdade, volta a caminhar com força pelas passarelas e pelas ruas. Mas, nesta retomada, é hora de olhar mais fundo. Porque por trás dessa estética fluida e “livre” se esconde uma história muitas vezes esquecida: a contribuição ancestral da estética negra para o que hoje se entende como boho.


Antes de ser tendência em revistas internacionais, o boho já existia nos corpos negros. Desde os tecidos tingidos artesanalmente em comunidades africanas, como os adires nigerianos, até os colares de búzios usados como proteção espiritual, a linguagem visual do boho chic encontra ecos profundos nas tradições afro-brasileiras e afro-diaspóricas.
As saias longas, os cabelos naturais ou trançados, as bijuterias feitas à mão, os elementos da natureza usados como ornamento — tudo isso é parte da herança cultural de povos que, mesmo enfrentando a diáspora e o apagamento histórico, mantiveram viva sua forma de existir e de se vestir no mundo.


No Brasil, a estética negra sempre foi um ato de resistência. Usar turbante, vestir branco, exibir a beleza dos cabelos crespos — tudo isso foi, e ainda é, uma afirmação de identidade. Ao reconhecer essas raízes no boho chic, passamos a enxergar não apenas estilo, mas uma herança que atravessa oceanos e séculos.
Por isso, quando vemos uma mulher negra vestindo boho com seus brincos de búzios, sua bata bordada, seus anéis em latão e seu cabelo natural, não estamos diante de uma “tendência”. Estamos diante de um reencontro com a ancestralidade.


Hoje, marcas lideradas por estilistas negros no Brasil e no continente africano estão ressignificando o boho. Trazem para o presente técnicas como o tingimento natural com urucum e jenipapo, o uso de fibras vegetais como palha, sisal e ráfia, e o bordado como linguagem política e estética. É um boho com consciência, com alma, com pertencimento.
Na passarela da vida, onde cada peça de roupa é um manifesto, a mulher negra escreve sua própria narrativa. E se o mundo agora celebra o boho chic, que ele saiba — essa beleza, esse saber, essa força, tem cor, tem origem e tem história.

