A apropriação cultural é um fenômeno histórico que carrega as marcas das relações raciais e coloniais. Em tempos modernos, essa prática assume novas formas, muitas vezes escondidas sob a máscara da “inovação” e do “universalismo”. Quando produtores brancos exploram expressões culturais negras sem comprometimento com suas origens, o que se vê é mais do que desrespeito à ancestralidade: é um apagamento político que mina a luta antirracista e transforma resistência em mercadoria.
As expressões culturais negras – música, dança, moda, arte – são frutos de uma história de resistência e dor. São símbolos de identidade e luta que a comunidade preta construiu enquanto enfrentava séculos de silenciamento. No entanto, ao serem apropriadas por produtores brancos sem a devida reverência às suas origens, essas expressões perdem seu significado original. O que antes era símbolo de resistência vira tendência. A cultura preta, ao ser deslocada de seus contextos políticos e históricos, é despolitizada e mercantilizada. Elementos como gírias, ritmos ou estéticas visuais, criados no seio da comunidade negra, frequentemente são vendidos como “inovações” por produtores que não compartilham a vivência ou os contextos que os originaram. Nesse processo, as vozes negras são ofuscadas, enquanto os lucros e o reconhecimento seguem para as mãos de oportunistas.
Um dos aspectos mais graves da apropriação cultural é a desconexão intencional dos contextos políticos que moldaram essas expressões. Músicas que nasceram como hinos de protesto tornam-se trilhas publicitárias. Roupas que eram símbolos de resistência se transformam em peças de fast fashion. Histórias de opressão são romantizadas, desidratadas de suas mensagens originais, para agradar consumidores. Essa prática não é apenas um erro ético, mas também um ciclo de exclusão e exploração. Enquanto a comunidade preta segue criando e resistindo, ela muitas vezes permanece marginalizada nos mercados culturais que consomem seus produtos.
Apropriação cultural não é homenagem, é oportunismo. Difere da apreciação cultural, que exige respeito, aprendizado e devolução de poder. A apreciação busca amplificar vozes negras e respeitar a ancestralidade, enquanto a apropriação rouba espaço, reconhecimento e lucro. Se você, produtor ou criador branco, consome ou trabalha com elementos de culturas negras, reflita: estou amplificando vozes negras ou roubando espaço? Os lucros e os créditos retornam à comunidade preta? Estou respeitando as histórias ou apenas explorando uma estética?
Enquanto a apropriação cultural continua a lucrar às custas da cultura preta, é urgente exigir protagonismo negro. Para que a cultura seja espaço de justiça e não de exploração, é preciso que os criadores pretos sejam o centro das narrativas e das recompensas. O antídoto para a apropriação cultural é a reparação histórica, com foco em redistribuição de recursos, holofotes e narrativas. É hora de abandonar a retórica performática e estruturar o discurso antirracista em ações concretas. Que o aplauso não seja para quem apenas empresta a voz ou o lucro, mas para quem carrega a cultura nas raízes e na resistência. A justiça cultural começa quando as mãos que criam também colhem.