Autoestima é o valor que atribuímos a nós mesmos e a nossa capacidade de nos amar. É o ato de “amar a si mesmo”, que requer atitudes como o autorrespeito, a autoaceitação e o autoconhecimento. Por sua vez, autoconhecimento pressupõe consciência da própria história e de todos os aspectos de nossa personalidade. Já a autoaceitação é acolher nossos erros e acertos. Não se trata de se acomodar, mas de ser capaz de reconhecer e celebrar quem somos, e buscar mudar o que julgamos necessário. Todos esses elementos interagem na construção de nossa autoimagem e fazem parte do conceito de autoestima.
No caso da raça negra em contexto de diáspora, há um conceito de autoestima inferior. A interação secular entre europeus e seus descendentes e povos nativos e africanos e seus descendentes escravizados gerou desigualdades e diferenças, levando à formação de uma hierarquia social que deixava à mostra distância social e prestígio/desprestígio entre colonizadores e subalternos. Índios e negros partilharam desde então situação de inferioridade e exclusão social.
Dessa condição inicial da nação brasileira, gerou-se racismo e discriminação. Daí, seguiu-se a alienação e a consequente depreciação da identidade pessoal e do pertencimento étnico. Muitos negros são induzidos a crer que sua condição inferior é decorrente de suas características pessoais, deixando de perceber que, de fato, assumem a discriminação exercida pelo grupo dominante. Daí vem a idealização do mundo branco e a desvalorização do negro, pela seguinte associação: o que é branco é bonito e certo, o que é negro, feio e errado. O preconceito racial gera reação perversa que desencadeia estímulos dolorosos e retira do sujeito toda possibilidade de reconhecimento e mérito, levando-o a utilizar mecanismos defensivos das mais diversas ordens.
A baixa autoimagem do negro é reproduzida pela mensagem transmitida recorrentemente às pessoas negras de que, para ser humanizado, é preciso corresponder às expectativas do padrão dominante, ou seja, tornar-se branco. Essa situação decorre da internalização de que “embranquecer” seria o único meio para ter acesso a respeito e dignidade. Estudos de saúde realizados em épocas distintas têm apontado que os negros vítimas de discriminação explícita tornam-se suscetíveis psiquicamente a desenvolverem, mais comumente: ansiedade, ataques de pânico, baixa autoestima, depressão, comprometimento/crises de identidade e distorção do autoconceito.
O Conselho Federal de Psicologia enfatiza que é imprescindível que os profissionais de psicologia compreendam as relações raciais existentes na sociedade e que o racismo é causador de sofrimento psíquico, uma vez que a população negra discriminada e marginalizada é assolada por sentimentos de inferioridade, por um constante estado de alerta e vítima constante de violências físicas e emocionais. Intervenções clínica e política são inseparáveis na psicologia preta, porque o sofrimento de pessoas negras não é da ordem da neurose, da ordem do privado, mas, sim, produzido e mantido social e historicamente por meio de dispositivos políticos que oprimem a população negra.
Apesar de o Sistema Único de Saúde (SUS) contar com a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, o atendimento às vítimas nem sempre é feito da maneira adequada, muitas vezes, por falta de conhecimento ou especialização do profissional. Por isso, vem crescendo no Brasil um ramo da psicologia criado nos Estados Unidos, na década de 1960, a psicologia preta.
Mas há quem lute contra essa realidade racista e a conscientização da sociedade tem provocado mudanças. Vejam o caso do jovem negro Peter Silva, de 18 anos, paulistano, até então servente de pedreiro, que foi descoberto por um olheiro e estimulado a encarar a seleção 2020 do The Look of The Year. O curso, realizado pela Joy Model, é o mesmo que revelou nomes como Gisele Bündchen e Isabeli Fontana. Este ano, a seleção foi virtual por causa da pandemia. “Quando eu trabalhei como servente, dei meu melhor, mas eu queria outro futuro”, disse Peter, em entrevista ao R7.
Peter contou durante live do SóNotíciaBoa que sofria bullying na escola quando era menor, por ser preto. Ser selecionado em meio a tantos candidatos ajudou na autoestima do rapaz. “Fico feliz por ver o mercado dando oportunidades, promovendo nossa beleza”. Quanto mais exemplos como o de Peter se tornarem rotina, melhor para milhões e milhões de crianças e jovens negros e para a sociedade brasileira como um todo. Luta que segue.
*Jornalista e psicanalista
Fonte: Correio Brasiliense