No monólogo “Aos 50 — quem me aguenta?”, em que enaltece mulheres acima dos 50 anos, e na novela “Vale tudo”, Edvana Carvalho não somente questiona a presença negra como também a feminina e a madura. “Desmoronando o sistema racista”, avalia
No monólogo Aos 50 — quem me aguenta?, Edvana Carvalho lança o questionamento direto: “Quantas de nós já se olharam e não se reconheceram?”. A pergunta, que ecoa como um desafio, é também a síntese de sua trajetória. Atriz, educadora, dramaturga em formação e voz insurgente da maturidade negra feminina, Edvana não apenas ocupa espaços — ela os redefine, um a um, com a precisão de quem sabe que cada gesto artístico é, antes de tudo, um ato político. Após ser “revelada” e brilhar na pele de Inácia, a empregada dos Inocêncio, no remake de Renascer, em 2024 — trabalho da qual muito se orgulha —, agora, em Vale tudo, outro remake, ela vive a urbana Eunice — que, nesta releitura, é negra, trabalhadora e modelo fotográfico, e não mais uma mulher branca, dona de casa, servida por uma serviçal preta.

Para Edvana, é mais do que uma atualização: é um acerto de contas. “São importantes espaços representativos que coíbem as ideias pré-estabelecidas de que mulheres negras só podiam ser serviçais na nossa sociedade”, comemora, refletindo também sobre a própria trajetória até, enfim, chegar à televisão. “Essa demora em ‘aparecer’ tem a ver com a estruturação racista do nosso país, em que reinava antigamente o perfil ‘boa aparência’ voltado para o padrão de beleza europeu, e à dificuldade, anos atrás, de se chegar a espaços representativos positivos. Mas a sociedade brasileira, através das lutas contra o racismo velado, tem desmoronado esse sistema”, pondera ela, que passou, também, por duas temporadas de Malhação e pela novela Pega pega.
Para Edvana, é mais do que uma atualização: é um acerto de contas. “São importantes espaços representativos que coíbem as ideias pré-estabelecidas de que mulheres negras só podiam ser serviçais na nossa sociedade”, comemora, refletindo também sobre a própria trajetória até, enfim, chegar à televisão. “Essa demora em ‘aparecer’ tem a ver com a estruturação racista do nosso país, em que reinava antigamente o perfil ‘boa aparência’ voltado para o padrão de beleza europeu, e à dificuldade, anos atrás, de se chegar a espaços representativos positivos. Mas a sociedade brasileira, através das lutas contra o racismo velado, tem desmoronado esse sistema”, pondera ela, que passou, também, por duas temporadas de Malhação e pela novela Pega pega.
Aos 57 anos, mãe de dois, Edvana Carvalho não recita teorias — ela fala da pele. “A arte é uma experiência que leva à autorreflexão. O monólogo existe para que mulheres a partir dos 50 possam se enxergar atuantes, bonitas, inteligentes e bem-resolvidas consigo mesmas, além de abrir mais espaços para que mulheres negras percebam o quanto é importante contar suas próprias histórias, pois fazemos parte da construção coletiva desse país e podemos, sim, ocupar qualquer área de conhecimento, inclusive a artística, a dramaturgia. Nossas escritas são importantes reparações históricas de memórias coletivas”, disserta a intérprete da personagem que, em uma cena histórica da releitura, enfrentou — e literalmente desmanchou o topete — da racista Odete Roitman (Debora Bloch).
O poder da educação

A fala de Edvana Carvalho faz referência clara à poetisa mineira Conceição Evaristo. “A literatura de mulheres negras denuncia desigualdades, inspira mobilização e contribui para mudanças sociais e políticas. É um ato de resistência contra padrões que historicamente invisibilizaram sua presença”, reflete a atriz que, com licenciatura em teatro, criou a Aula Palestra, projeto que visa a troca de experiências para discutir lutas e trajetórias do professor e fomentar nos alunos a criação de seus próprios objetivos na construção de seus sonhos.
Cria da Liberdade e do Curuzu, bairros negros pulsantes de Salvador, a filha de Edna e Ivan cresceu vendo a cultura como oxigênio. Outra iniciativa idealizada pela atriz é o projeto Roda de Conversa, desenvolvido na Escola Municipal Padre Confa, na capital baiana, em que o objetivo é trazer para o ambiente escolar pessoas e iniciativas que promovam educação extracurricular por meio da cultura. Com experiência viva, ela defende que haja mais promoção de oportunidades para artistas e educadores nas comunidades. “Acho que faltam formação e capacitação, espaços e infraestrutura, centro culturais comunitários, que recebam manutenção, reconhecimento financeiro, programas permanentes de arte educação espalhados pelo bairros da cidade. Ou seja, políticas públicas e investimento do governo e do setor privado.”

Mesmo com a carreira consolidada, Edvana nunca abandonou a sala de aula, lugar onde se reconhece e de onde extrai inspiração. Licenciada em teatro, pós-graduada em psicopedagogia e atualmente mestranda em dramaturgia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), ela vê na academia a possibilidade de reescrever a história da mulher negra, sem estereótipos e com autoria. “Esse mestrado é uma tentativa de alcançar espaços que antes era impossível pensar em estar. Traz a possibilidade de reescrever a história da mulher negra na nossa sociedade artisticamente, para que nossas narrativas e experiências de vidas possam fazer parte da história e do registo oficial, sem estereótipos, ou sob o olhar do outro que recontava nossas histórias por nós”, analisa, enquanto justifica as menções a Conceição Evaristo.
Falar do Bando de Teatro Olodum — grupo pioneiro na cena negra brasileira que ela ajudou a construir — é, para Edvana, falar de “revolução com poesia”. “O grupo criou uma poética própria, uma estética preta periférica, para os palcos de uma cidade em sua maioria preta e parda. O Bando de Teatro é extensão, continuação do Teatro Experimental do Negro (TEN) e de tantas outras expressões artísticas que mostraram e vêm apresentando para a sociedade brasileira o quão somos diversos e qualificados.”
Versatilidade e consistência
Seja na televisão, no teatro ou no cinema, Edvana mostra versatilidade e consistência. Nas telas, atravessou o cinema baiano em obras como Ó paí ó, Malês e Fenda, pelo qual venceu o Kikito de Melhor Atriz em Gramado. No streaming, ganhou visibilidade em Irmãos Freitas e, mais recentemente, emprestou sua voz à personagem Ruth na animação Arca de Noé.

Apesar dos prêmios e da aclamação, ela insiste: reconhecimento é bem-vindo, mas não é o objetivo. “A confiança em desenvolver minha arte não pode ser medida apenas pelo fato de ganhar ou não um prêmio. Prêmios são importantes reconhecimentos do nosso trabalho, mas não é o objetivo final. Minha arte sustenta o ser humano que pretendo ser e a forma como enxergo o mundo no qual vivo. Quero que esse reconhecimento da sociedade venha através de oportunidades reais de trabalhos e de personagens importantes da nossa dramaturgia nacional. Quero ter a chance de fazer o público refletir, gargalhar, se emocionar, se indignar e sonhar”, assinala.
O futuro, para Edvana, passa por seguir estudando e, sobretudo, por conquistar papéis em territórios onde mulheres negras com mais de 50 anos ainda são raridade. “Quero muito fazer rainhas, vilãs, mulheres diversas, personagens centrais na tevê e, principalmente, no cinema brasileiro, que quase não tem protagonistas negras 50+”, conclui.