A liberdade nas artes dependerá de quais ou quantas ideologias ela se verá livre. Mais do que isso até, de quantas “liberdades” experimentou antes de ser livre. Afinal, é isso que as ideologias dizem ser, caminhos de liberdade. Também precisa saber quais prisões existem, e como elas funcionam, para se poder dizer livre delas. Quem está dentro da ilha não vê a ilha, é preciso sair para ver. Quem nasce na ilha e vive lá por toda sua vida, acha que aquilo é tudo que existe.
Essas deliberações sobre liberdade são importantes para apontar que toda arte tem ligada à si um movimento político e/ou ideológico, que por sua vez, determinarão a estética que melhor encarnará seus valores.
No post passado, deixei no ar, seria o Pantera Negra por exemplo uma legítima obra do movimento Woke nos cinemas? Não, por dois motivos. O cinema Woke se preocupa especificamente em conter pretos na narrativa. Porém em Pantera Negra, a narrativa é conservadora. É o mesmo conservadorismo europeu? Definitivamente não.
É necessário lembrar a teoria dos dois berços culturais de Cheikh Anta Diop. A Cultura Woke é revolucionária, portanto a Woke pretende remodelar tanto o berço cultural europeu, quanto o berço cultural africano. Os que mantém a tradição conservadora consideram a antiguidade de seus berços. Obviamente, o automático na mídia nos faz tomar como referência apenas o berço mais conhecido e propagandeado, que é o europeu.
Então quais as consequências dessas considerações? Bem, tanto Pantera Negra quanto Rei Leão por exemplo, estão bem com a ideia de monarquia, contanto que elas estejam contemplando a soberania de um povo e a cosmologia africana. Na arte, a storytelling e a estética vão se orgulhar de seu passado, de forma até a salvar as referências pretas da atual desvalorização, ou até mesmo evitar a substituição de suas referências por novas referências de hype atual.
Não é preciso dizer por exemplo, que os filmes que miram a ideologia ancap pretendem, em sua força de disrupção, combater o Estado. Em muitos filmes eles denunciam como o Estado pode ser cruel e perverso, como em Clube de Compras Dallas, em que um soropositivo se organiza para driblar as burocracias que aproximariam seu grupo da dignidade, em um movimento potente de sobrevivência. Um empreendimento salvando vidas. Esse mesmo movimento ideológico, também é capaz de produzir obras de Exploitation sem nenhuma mensagem, apenas para divertir porque ideologicamente consideram que se há interesse do mercado, deve haver meios de suprir essa demanda.
Os filmes Woke também contém denúncias e verdades, porém só uma parte de verdades. Outras verdades inconvenientes não são contempladas. As denúncias contra a mulher e contra a escravização muitas vezes exagera ao ponto de tirar a agência dessas populações em seus sucessos e desgraças, para estabelecer vilania maniqueísta. São sensibilidades
O que é preciso perceber aqui, é que todas as ideologias prometem apenas luz, quando sabemos que todas tem sombras também, mas propagandeiam de si apenas seus acertos. Tomam todo pela parte. É necessário entender quais partes podem ser aproveitadas de cada visão de mundo, para que o nosso cinema preto não seja servente de uma visão de mundo específica. Uma visão aprisionada dentro de uma ideologia específica apenas fortalecerá tudo que já é vigente. Sabemos que para a moda, o que é vigente tem valor em queda pois sempre está procurando uma vanguarda, já para o preto, o vigente é o valor de subserviência.